A administração Trump decidiu excluir smartphones, computadores e outros produtos tecnológicos das tarifas sobre importações chinesas, aliviando gigantes como a Apple e revelando os limites práticos de uma guerra comercial que ameaça consumidores, mercados e cadeias globais de produção.
Eis mais uma manobra de engenharia política com sotaque de Silicon Valley, a administração Trump decidiu excluir smartphones, computadores e outros dispositivos eletrónicos das tarifas pesadas impostas às importações chinesas. A decisão, publicada com efeito retroativo a 5 de abril, soa tanto a alívio para empresas como a Apple como a uma confissão tácita: nem mesmo um presidente com uma relação criativamente ambígua com a realidade pode ignorar que morder a mão que fabrica o iPhone tem custos.
A exclusão de 20 categorias de produtos, incluindo computadores, chips de memória, painéis solares e semicondutores, retira temporariamente o garrote fiscal sobre as tecnológicas norte-americanas — e sobre os consumidores, que se viam à beira de pagar 2.300 dólares por um iPhone topo de gama. Uma “pequena correção”, segundo Pequim, mas com implicações significativas no xadrez económico global.
Para a China, a medida é um tímido recuo na guerra comercial, ainda que sem pedir desculpa nem baixar os braços. “O sino ao pescoço do tigre só pode ser desatado por quem o pôs”, disse o Ministério do Comércio chinês, citado pela Reuters, uma metáfora que ganha mais sabor se imaginarmos Trump a tentar lidar com um tigre real. A frase é tão sibilina quanto certeira: se o presidente norte-americano criou o problema, cabe-lhe resolvê-lo.
A exclusão aplica-se apenas às chamadas tarifas “recíprocas” de Trump, que esta semana atingiram um surrealista 125% sobre determinados bens chineses. Outras tarifas, como os 20% justificados pela crise do fentanil (sim, leu bem), mantêm-se. No fundo, a administração americana continua a jogar xadrez com uma granada em vez de peças.
A reação dos mercados foi previsivelmente bipolar. As ações das tecnológicas subiram, o ouro disparou para máximos históricos e os juros das obrigações subiram como se esperassem um novo milagre ou uma nova crise.
Empresas como Apple, Dell e Nvidia agradecem. Afinal, foi para escapar à “tarifária” que a Apple fretou voos de emergência para transportar 600 toneladas de iPhones produzidos na Índia. Um espetáculo logístico que demonstra, de forma involuntária, o quão interligada — e frágil — é a cadeia de valor da tecnologia global.
Mas esta não é apenas uma história sobre tarifas e telemóveis. É também sobre eleições. Trump, que construiu a sua campanha com promessas de baixar preços e “punir” a China, está agora encurralado entre a retórica e a realidade. Os consumidores não votam felizes quando os gadgets encarecem. E os mercados não gostam de incerteza, mesmo que venha embrulhada em bandeiras e slogans.
Mesmo assim, Trump insiste que os Estados Unidos estão “a ganhar muito dinheiro”. Só não disse quem, nem como.
As tarifas de Trump já levaram Pequim a retaliar com as suas próprias sanções, subindo tarifas para 125% sobre bens norte-americanos. A escalada ameaça tornar-se um jogo de tudo ou nada com custos reais para consumidores e empresas de ambos os lados do Pacífico. E talvez, como sugere a metáfora chinesa, o sino do tigre só possa ser removido quando alguém tiver coragem de admitir que nunca deveria ter sido lá posto.
Até lá, o comércio internacional continua suspenso entre a lógica do lucro e a política do palco. E as tecnológicas, sempre ágeis, aproveitam as tréguas para respirar fundo — e planear o próximo salto, seja para a Índia, para o Vietname ou para a próxima zona franca da diplomacia.
Porque uma coisa é certa: mesmo num mundo de chips e ecrãs OLED, o jogo continua o mesmo. Só mudam os jogadores — e o tom do tweet.