A transição para um novo paradigma profissional já está em curso no Brasil — e é mais profunda do que muitos líderes políticos e empresariais parecem perceber. De acordo com o Future of Jobs Report 2025, do Fórum Econômico Mundial, o país vive uma realidade marcada por contrastes: uma população ativa numerosa, uma adoção tecnológica crescente e, ao mesmo tempo, estruturas de qualificação e políticas de requalificação ainda frágeis. O resultado é um cenário com enorme potencial, mas também com alto risco de exclusão.
Com uma força de trabalho de 140 milhões de pessoas, o Brasil apresenta uma taxa de participação laboral de 65% e desemprego em torno de 6%. À primeira vista, números relativamente estáveis. No entanto, 28% da população está em empregos considerados vulneráveis, e 21% dos jovens não estudam, não trabalham e tampouco se qualificam — um dado que deveria acender alertas em um país que aposta no crescimento econômico sustentado.
O problema é estrutural: apenas 22% dos trabalhadores têm ensino superior, e 60% concluíram o ensino médio. Isso significa que a maior parte da população ativa brasileira não está preparada para lidar com o nível de sofisticação exigido pelas tecnologias que estão transformando o mundo do trabalho.
O Brasil se destaca positivamente na adoção de tecnologias emergentes. Cerca de 92% das empresas afirmam que ferramentas como inteligência artificial, big data, realidade aumentada e virtual transformarão seus negócios — um entusiasmo acima da média global. Robôs e sistemas autônomos também ganham espaço (64% das organizações), sinal de que a automação já não é mais uma tendência futura, mas uma realidade presente.
O impacto dessa transição será profundo. A chamada “disrupção de competências” é estimada em 92% — ou seja, quase todas as funções exigirão habilidades diferentes até 2030. Entre os cargos com maior crescimento previsto estão especialistas em IA, cientistas de dados e profissionais de desenvolvimento de negócios. Em contrapartida, funções administrativas e operacionais tendem a declinar fortemente.
Apesar dessas transformações, o investimento na requalificação da força de trabalho ainda é tímido. Apenas 33% dos trabalhadores brasileiros devem passar por processos de requalificação até o final da década — um número que não acompanha a urgência imposta pelo avanço tecnológico. Mais preocupante ainda: o investimento nacional em formação de profissionais em meio de carreira é classificado com apenas 3 pontos em uma escala de 1 a 7.
Num contexto em que a automação deve avançar de forma significativa — estima-se que, em 2030, apenas 33% das tarefas sejam realizadas exclusivamente por humanos —, essa falta de preparação pode gerar exclusão, aumento da desigualdade e perda de competitividade.
As competências mais valorizadas até 2030 serão, previsivelmente, híbridas: técnicas e humanas. Lideram a lista: conhecimento em IA e big data (93%), pensamento criativo (71%), letramento digital (69%), aprendizagem contínua (65%) e cibersegurança (64%). Formar trabalhadores que pensem criticamente e dominem a tecnologia — algo que o sistema educacional atual ainda não assegura — será essencial.
A transformação só terá sucesso com ação coordenada. Felizmente, há sinais positivos. 57% das empresas brasileiras apontam a flexibilidade nas práticas de contratação e demissão como fator-chave para ampliar a disponibilidade de talentos. Melhorias no sistema público de ensino e o financiamento da requalificação também aparecem entre as principais prioridades.
O Brasil também se destaca no compromisso com políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI): 96% das organizações adotam ações nessa área — bem acima da média global. Essa aposta na inclusão pode se tornar uma vantagem competitiva em um mercado de trabalho cada vez mais especializado e diverso.
O Brasil tem os números, os recursos e a demografia a seu favor. Mas enfrenta um dilema estratégico: ou investe seriamente na requalificação da sua força de trabalho, ou ficará refém de uma transformação que tende a aprofundar desigualdades e limitar o crescimento econômico.
A nova fronteira do trabalho não será apenas entre humanos e máquinas, mas entre quem se adapta e quem fica para trás. E, nesse jogo, a formação, a visão política e o compromisso das empresas serão decisivos. O futuro do trabalho no Brasil ainda não está escrito — mas o tempo para escrevê-lo é agora.